quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Vem pra Roda Você Também

Projeto do Programa Vivência de Arte na UFAL da Pró-Reitoria Estudantil - PROEST.
Mestre de capoeira do Vem pra Roda: Antonio Pereira Lima, Mestre Tunico (mestretunico@hotmail.com) – Fone: 8859 8572.
Aulas de capoeira angola do Grupo Quilombola Arte é Cultura - projeto de extensão Ações Afirmativas através da Capoeira, coord. Profª Drª Rachel Rocha - Laboratório da Cidade e do Contemporâneo - LACC/ICS.
Aulas: segundas e quartas, das 19h às 20h30, na sala multiuso, no Espaço Cultural, Praça Sinimbu.










Trechos da dissertação de mestrado em Educação Brasileira/UFAL/2011, CURSO DE EXTENSÃO COM MESTRES DE CAPOEIRA ALAGOANOS: MEDIAÇÕES E DISPOSITIVOS NOS PROCESSOS FORMATIVOS, por Sandra Bomfim de Queiroz (sandra.capoeira@gmail.com), sob a orientação do Professor Dr. Sérgio Borba.

 

1. Capoeira na academia, camará...

No Brasil, a partir da década de 1960, a capoeira vem sendo disseminada no contexto educacional, desde o ensino fundamental até as universidades. Nesse complexo movimento, às vezes como disciplina curricular, às vezes como projeto de extensão, ou simplesmente como atividades extraclasse, ela vem despertando interesses jamais verificados anteriormente por parte da comunidade educacional institucionalizada.
Nos últimos anos, a capoeira tem encontrado nas universidades um ambiente fértil para disseminar-se, sendo ela bastante utilizada enquanto objeto de pesquisas pelas mais diversas áreas do conhecimento. Ela também chega as academias através da outorga de títulos aos mestres populares[1].  E já se encontra presente, na condição de componente curricular, em cerca de vinte e uma universidades brasileiras[2]. A capoeira também tem sido partícipe de várias experiências enquanto uma atividade desenvolvida nos espaços das universidades, através de Diretórios ou Centros Acadêmicos estudantis.

2. Angola e Regional são estilos, camará...        

No estilo angola, persistem traços de uma ancestralidade e de uma ritualidade características do modo africano de se relacionar com o tempo, com o espaço, em última instância, com o mundo. Já a capoeira no estilo regional, não conservou esses elementos, e por isso foi muito mais influenciada pela racionalidade que o pensamento moderno instituiu, e que se materializou no Brasil, através do projeto modernizante da era Vargas, durante o Estado Novo, como bem descreveu Luiz Renato Vieira (1998).
Mestre Bimba[3] revelou-se um grande estrategista que soube articular um importante movimento que visava a um maior reconhecimento público e valorização dessa manifestação afro-brasileira, e sua consequente descriminalização. Ele foi responsável por uma recriação importante no universo dessas manifestações.
Já a estratégia utilizada por Mestre Pastinha com relação à capoeira angola vai numa outra direção: utiliza-se sim, do discurso e de elementos do esporte, como forma de valorizá-la socialmente; no entanto, esse discurso é quase que somente uma ‘fachada’, pois Mestre Pastinha busca os fundamentos da tradição africana, aliado à construção de uma nova ‘filosofia’ para a prática da capoeira angola.
Essa nova filosofia era baseada numa estética de jogo mais simbólica e subjetiva, com muita ludicidade, pautada no companheirismo, no respeito, na ética e nos valores humanos; deixados como legado em seus manuscritos, que de certa forma não se coadunam com a concepção esportiva que se delineava na época, baseada na competitividade, no desempenho atlético, na eficiência e na técnica, características mais próximas daquelas encontradas hoje na capoeira regional.
Os fundadores dos estilos regional e angola, os Mestres Bimba e Pastinha, cumpriram um papel importante. Aliás, Letícia Reis (2004) trata de forma magistral essa análise quando afirma que eles elaboraram, por meio da capoeira, estratégias simbólicas e políticas diferenciadas, que visavam em última instância, ampliar o espaço político dos negros na sociedade brasileira.
A capoeira, imersa nesse processo tem, enquanto expressão da cultura popular, ampliado e aprofundado diversos processos identitários, tanto do ponto de vista das individualidades, quanto das coletividades. A capoeira, no universo da multiculturalidade étnica tem reforçado sua transnacionalidade, sobre a influência dos processos globalizantes sobre a cultura de forma geral, como salienta José Luiz Falcão (2004). Ao tempo em que procura fortalecer seus processos identitários enquanto cultura popular afro-indígeno-brasileira, advindo desse processo ambíguo, uma complexa conjuntura interna.

3. Dando a volta ao mundo, camará...

A capoeira tem se tornado um dos maiores símbolos de cultura afro-brasileira e de difusão cultural no Brasil e no Exterior, sendo praticada, atualmente, em mais de 155 países[4]. O que demonstra que a capoeira é através de sua própria história, representante dos paradigmas criados com os processos de globalizações na contemporaneidade.
Outro aspecto da capoeira é o histórico, que caracteriza seu cosmopolitismo, quando praticada nos Quilombos, cuja comunidade era formada por maioria de negros, contando com uma parcela bem menor de índios e europeus marginalizados, conforme evidenciam os estudos compilados por Nestor Capoeira (1992), ou ainda, durante o século XIX, no Rio de Janeiro, com o expressivo número de estrangeiros imigrantes que engrossavam suas fileiras.
A era da capoeira nas academias, cujos maiores expoentes foram os mestres Bimba Pastinha, está findando. Inicia-se a era da capoeira educativa, que tem por expoentes os mestres que, anonimamente, desenvolvem trabalhos socioeducativos, sejam em espaços particulares, públicos ou, principalmente, no terceiro setor, sem citar as experiências internacionais.

4. Das senzalas para as escolas, camará...

Nas últimas décadas tem-se intensificado a demanda pelo ensino e prática da capoeira em presídios, instituições para adolescentes em conflito com a lei, Organizações da Sociedade Civil/OSC – e Pontos de Cultura, que atuam em comunidades em situação de vulnerabilidade social.
É baseado nesse currículo social que a capoeira, patrimônio histórico e cultural brasileiro[5], reivindica o reconhecimento de seus processos formativos e a ampliação de sua inclusão em espaços formais, de forma institucionalizada, implicando em direitos trabalhistas.
No Brasil a Lei 10.639/03 que obriga a inclusão de manifestações culturais afro-brasileiras nas escolas, a Lei nº 6.814/07[6] e mais recentemente, o Estatuto da Igualdade Racial que torna o ensino e a prática da capoeira obrigatória, enquanto atividade esportiva nas escolas públicas, ainda não produziram os frutos esperados.     
Mas essa não é uma perspectiva consensual, nem expressada, sempre, claramente. É uma proposta em construção por diversos atores sociais em várias localidades de nosso imenso país, influenciada, inclusive, por experiências internacionais Alguns governos já investem nos processos formativos da capoeira tornando-a prática oficial em suas escolas públicas, a exemplo de Israel, com alguns capoeiristas alagoanos do grupo Muzenza.
No entanto, o registro da capoeira pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/IPHAN e a construção do plano de salvaguarda da capoeira, em execução, visando o registro da mesma enquanto patrimônio imaterial da humanidade, ainda não efetivou políticas públicas mais consistentes para a capoeira e os capoeiristas no território nacional.

5. Na roda da vida e das políticas públicas, camará...

Há mais de uma década que Projetos de Lei/PL para a regulamentação da profissão de capoeirista tramitam, são arquivados, reapresentados, sem chegar a votação no Plenário do Congresso Nacional.
Outra questão que aflige, atualmente, a comunidade capoeirística, advém do fato dos professores de capoeira passarem a deter cada vez mais o conhecimento acadêmico, passando a ter domínio técnico para a elaboração de projetos visando financiamento ou patrocínio de eventos e cursos. Essa realidade tem permitido, segundo vários mestres, que o professor passe a ser a maior autoridade dentro da capoeira, pelo poder do conhecimento e pelo poder financeiro, considerando que muitos têm outra profissão de maior prestígio social, além da capoeira.
Com a expansão da capoeira no Brasil e no exterior, os professores ou capoeiristas de outras graduações, inferiores a titulação de mestre, têm se tornado, praticamente, o contratante do mestre para eventos e graduações. E como muitos mestres têm sua fonte de renda em outros estados ou no exterior, muitos terminam se submetendo a essas relações de trabalho informal, dentro do próprio grupo de capoeira, deixando de ser o mestre do grupo para ser o funcionário. Nesse processo, muitos deles terminam abdicando de se contraporem às práticas formativas desenvolvidas pelos alunos para não perderem a relação financeira.
A exceção é feita aos mestres de capoeira que conseguiram seguir uma carreira acadêmica e geralmente possuem a titularidade de doutores nas universidades brasileiras, fazendo parte do quadro funcional das mesmas. Nem os mestres populares, que ainda vivem no Brasil, e que tiveram seu saber reconhecido e valorizado por universidades brasileiras ou estrangeiras, com a outorga do título de Doutor Honoris Causa, encontraram espaço de trabalho nas universidades brasileiras nem foram beneficiados por políticas públicas, principalmente por parte da previdência social. Mesmo com o reconhecimento de patrimônio nacional, os mestres continuam morrendo desassistidos, e o que é mais doloroso, pelos próprios alunos, também.
Esse quadro tem se tornando comum no Brasil, onde os mestres populares têm perdido gradativamente seu papel de guardião dos saberes dessa manifestação cultural. Quando estão idosos e não podem mais ministrar aulas, são relegados a falta de políticas públicas. A criação do CEMCAL em Alagoas teve como motivação uma retomada da valorização do papel sociocultural dos mestres de capoeira.

6. Alagoas atendeu ao chamado, camará...
Alagoas foi o primeiro e único estado a atingir esse objetivo, como ficou evidenciado no último Encontro Nacional de Mestres de Capoeira, realizado em Brasília, no aniversário da Fundação Palmares, em 2009. Nesse encontro, a tônica foi a apresentação por uma técnica do IPHAN da elaboração do Plano de Salvaguarda da Capoeira pelo Governo Federal. Esse processo tem início efetivo com a participação de mestres de todo o país no mês de setembro, de 2010 com a reunião de mestres de todos os estados por região. Os mestres do nordeste se reunirão em Recife para uma primeira rodada de discussões.
Afinal, a capoeira alagoana está fazendo história, através do protagonismo social de seus mestres e, trilhar esse caminho suscita reflexões e estimula estudos acadêmicos. Nesse sentido, vários alunos da universidade produziram trabalhos sobre os projetos de extensão, realização de estágios de observação ou profissional, inclusive eu, com essa pesquisa, além de artigos apresentados em encontros de pesquisadores em Alagoas e na Paraíba.
Não é fácil imaginar o avanço político para a capoeira alagoana e brasileira o que significa a criação do CEMCAL. Sua existência representa uma nova etapa na forma organizativa da capoeira, que pela primeira vez na sua história conseguiu criar uma organização de mestres abrangente. É possível ver os mestres de capoeira unidos em busca de um crescimento político visando um bem comum, pois até então apenas se unificavam em torno de um grupo ou de um estilo, esse encontro das diversidades no CEMCAL é de uma riqueza inimaginável.

Quem se interessar em obter mais informações acerca de capoeira, pode entrar em contato através do e-mail supracitado.


[1]- Embora esse processo tenha sido iniciado por universidades estrangeiras com a outorga ao mestre João Grande, em 1995, do título de doutor honoris causa pela Universidade de UPSALA, em New Jersey, nos EUA. Já o mestre João Pequeno, recebeu o título de doutor honoris causa, pelas Universidades Federais de Uberlândia e da Bahia (além do título de Comendador, entregue pelas mãos do presidente Luiz Inácio da Silva).
[2]- Como, por exemplo, as Universidades Federais do Rio de Janeiro/UFRJ, Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ, da Bahia/UFBA, de Santa Catarina/ UFSC; as Estaduais de São Paulo/USP, de Feira de Santana/UEFS, do Rio de Janeiro/UERJ e as Universidades de Brasília/UnB, Gama Filho/ UGF e a Católica de Salvador/ UCSA e Universidade Federal de Alagoas/UFAL.
[3]- Manoel dos Reis Machado, criador da capoeira regional com a inclusão de movimentos de artes marciais e da luta Greco-romana. Fato este que possibilitou uma visibilidade à capoeira enquanto luta esportiva, sendo transformada em esporte nacional na era Vargas, podendo apenas ser praticada dentro de academias devidamente autorizadas. Tem início a era das academias de capoeira, com a abertura da primeira por Mestre Bimba.
[4]- Conforme mapa confeccionado pelo Doutor em Geociências Rafael dos Anjos (1996).
[5]- Registro realizado em 14 de julho de 2008, pelo Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/ IPHAN, em Salvador/Bahia, enquanto uma reivindicação do último Congresso Nacional de Capoeira, realizado em 2004, no Rio de Janeiro.
[6]- O Estado de Alagoas foi o primeiro a estadualizar a Lei Federal 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da História d África e da importância das contribuições dos povos africanos e indígenas na construção da sociedade brasileira.